segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Ninguém está acima da lei. Mas, quem é ninguém? O que é a lei? Qual é a verdade?

por Jorge Luiz Souto Maior, prof. livre docente da Faculdade de Direito da USP

Para deslegitimar o ato de estudantes da USP, que se postaram contra a presença da polícia militar no campus universitário, o governador Geraldo Alckmin sentenciou: “Ninguém está acima da lei”, sugerindo que o ato dos estudantes seria fruto de uma tentativa de obter uma situação especial perante outros cidadãos pelo fato de serem estudantes. Aliás, na sequência, os debates na mídia se voltaram para este aspecto, sendo os estudantes acusados de estarem pretendendo se alijar do império da lei, que a todos atingem.

Muito precisa ser dito a respeito, no entanto.

Em primeiro lugar, a expressão, “Ninguém está acima da lei”, traduz um preceito republicano, pelo qual, historicamente, se fixou a conquista de que o poder pertence ao povo e que, portanto, o governante não detém o poder por si, mas em nome do povo, exercendo-o nos limites por leis, democraticamente, estatuídas. O “Ninguém está acima da lei” é uma conquista do povo em face dos governos autoritários. O “ninguém” da expressão, por conseguinte, é o governante, jamais o povo. Claro que nenhum do povo está acima da lei, mas a expressão não se destina a essa obviedade e sim a consignar algo mais relevante, advindo da luta republicana, isto é, do povo, para evitar a deturpação do poder.

Nesse sentido, não é dado ao governante usar o preceito contra atos de manifestação popular, pois é desses atos que se constroem, democraticamente, os valores que vão se expressar nas leis que limitarão, na sequencia, os atos dos governantes.

Dito de forma mais clara, a utilização do argumento da lei contra os atos populares é um ato anti-republicano, que favorece o disfarce do império da lei, ao desmonte da contestação popular aos valores que estejam abarcados em determinadas leis.

Foi isso, aliás, que se viu recentemente em torno do direito das pessoas se manifestarem, de forma organizada e pacífica, contra a lei que criminaliza o uso da maconha. Todos estão sob o império da lei, mas não pode haver obstáculos institucionalizados para a discussão pública da necessidade ou não de sua alteração.

A lei, portanto, não é ato de poder, não pertence ao governante. A lei deve ser fruto da vontade popular, fixada a partir de experiências democráticas, que tanto se estabelecem pelo meio institucionalizado da representação parlamentar quanto pelo livre pensar e pelas manifestações públicas espontâneas.

E, ademais, qual é a verdade da situação? A grande verdade é que os alunos da USP não estão querendo um tratamento especial diante da lei. Não estão pretendendo uma espécie da vácuo legal, para benefício pessoal. Para ser completamente, claro, não estão querendo fumar maconha no Campus sem serem incomodados pela lei. Querem, isto sim, manifestar, democraticamente, sua contrariedade à presença da PM no Campus universitário, não pelo fato de que a presença da polícia lhes obsta a prática de atos ilícitos, mas porque o ambiente es colar não é, por si, um caso de polícia.

Querem pôr em discussão, ademais, a legitimidade da autorização, dada pela atual Direção da Universidade, em permitir essa presença.

A questão da legitimidade trata-se de outro preceito relevante do Estado de Direito, pois a norma legal, para ser eficaz, precisa ser fixada por quem, efetivamente, tem o poder institucionalizado, pela própria ordem jurídica, para poder fazê-lo e, ainda, exercer esse poder em nome dos preceitos maiores da razão democrática.

Vejamos, alguém pode estar questionando o direito dos alunos de estarem ocupando o prédio da Administração da FFLCH, sob o argumento de que não estão, pela lei, autorizados a tanto. Imaginemos, no entanto, que a Direção da Unidade, tivesse concedido essa autorização. A questão, então, seria saber se quem deu autorização tinha a legitimidade para tanto e mais se os propósitos da autorização estavam, ou não, em conformidade com os preceitos jurídicos voltados à Administração Pública.

Pois bem, o que os alunos querem é discutir se a autorização para a Polícia Militar ocupar os espaços da Universidade foi legítima e quais os propósitos dessa autorização. Diz-se que a presença da Polícia Militar se deu para impedir furtos e, até, assassinatos, o que, infelizmente, foi refletido em fatos recentes no local. Mas, para bem além disso, a presença da Polícia Militar tem servido para inibir os atos democráticos de manifestação, que, ademais, são comuns em ambientes acadêmicos, envoltos em debates políticos e reivindicações estudantis e trabalhistas. Uma Universidade é, antes, um local experimental de manifestações livres de ideias, instrumentalizadas por atos políticos, para que as leis, que servirão à limitação dos atos dos nossos governantes, possam ser analisadas criticamente e aprimoradas por intermédio de práticas verdadeiramente democráticas.

A presença ostensiva da Polícia Militar causa constrangimentos a essas práticas, como, aliás, se verificou, recentemente, com a condução de vários servidores da Universidade à Delegacia de Polícia, em razão da realização de um ato de paralisação de natureza reivindicatória, o que lhes gerou, dentro da lógica de terror instaurada, a abertura de um Inquérito Administrativo que tem por propósito impingir-lhes a pena da perda do emprego por justa causa.

Dir-se-á que no evento que deu origem à manifestação dos alunos houve, de fato, a constatação da prática de um ilícito e que isso justificaria o ato policial. Mas, quantas não foram as abordagens que não geraram a mesma constatação? De todo modo, a questão é que os fins não justificam os meios ainda mais quando os fins vão muito além do que, simplesmente, evitar a prática de furtos, roubos, assassinatos e consumo de drogas no âmbito da Universidade, como se tem verificado em concreto.

Há um enorme “déficit” democrático na Universidade de São Paulo que de um tempo pra cá a comunidade acadêmica, integrada por professores, alunos e servidores, tem pretendido pôr em debate e foi, exatamente, esse avanço dessa experiência reivindicatória que motivou, em ato de represália, patrocinado pelo atual reitor, o advento da polícia militar no campus, sob a falácia da proteção da ordem jurídica.

A ocupação da Administração da FFLCH pelos alunos, ocorrida desde a última quinta-feira, não é um ato isolado, advindo de um fato determinado, fruto da busca frívola de se “fumar maconha” impunemente no campus. Fosse somente isso, o fato não merecia tanta repercussão. Trata-se, isso sim, do fruto da acumulação de experiências democráticas que se vêm intensificando no âmbito da Universidade desde 2005, embora convivendo, é verdade, com o trágico efeito do aumento das estratégias repressoras. Neste instante, o que deve impulsionar a todos, portanto, é a defesa da preservação dos mecanismos de diálogo e das práticas democráticas. Os alunos, ademais, ainda que o ato tenha tido um estopim, estão sendo objetivos em suas reivindicações: contra a precarização dos direitos dos trabalhadores; contra a privatização do ensino público; contra as estruturas de poder arcaicas e autoritárias da Universidade, regrada, ainda, por preceitos fixados na época da ditadura militar; pela realização de uma estatuinte; e contra a presença da Polícia Militar no Campus, que representa uma forma de opressão ao debate.

O ato dos alunos, portanto, é legítimo porque seus objetivos estão em perfeita harmonia com os objetivos traçados pela Constituição da República Federativa do Brasil, que institucionalizou um Estado Democrático de Direito Social e o fato de estarem ocupando um espaço público para tanto serve como demonstração da própria origem do conflito: a falta de espaços institucionalizados para o debate que querem travar.

A ocupação não é ato de delinquência, trata-se, meramente, da forma encontrada pelos alunos para expressar publicamente o conflito que existe entre os que querem democratizar a Universidade e os que se opõem a isso em nome de interesses que não precisam revelar quando se ancoram na cômoda defesa da “lei”.

São Paulo, 30 de outubro de 2011.

12 comentários:

  1. Largue os entorpecentes e vá trabalhar, vagabundo!

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  2. Lei é conjunto de normas jurídicas criadas através dos processos próprios do ato normativo e estabelecidas pelas autoridades competentes para o efeito.

    Art. 2º - Ficam proibidos em todo o território brasileiro o plantio, a cultura, a colheita e a exploração, por particulares, de todas as plantas das quais possa ser extraída substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.

    Art. 12 - Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

    Pena - reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

    § 1º - Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente:

    I - importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda ou oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada a preparação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica;

    II - semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica.

    § 2º - Nas mesmas penas incorre, ainda, quem:

    I - induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica;

    II - utiliza local de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, para uso indevido ou tráfico ilícito de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica;

    III - contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.

    Art. 21 - Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade policial dela fará comunicação imediata ao juiz competente, remetendo-lhe juntamente uma cópia do auto lavrado e o respectivo auto nos 5 (cinco) dias seguintes.

    O povo criou essa norma, e uma sociedade democratica respeita.

    Falam de politicos, mas na hora de agir com dignidade, com sentimento de democracia, visam o interesse particular.

    FALSOS MORALISTAS.

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  3. Alunos da Usp??????
    Minoria da Usp!
    Hoje minhas aulas foram interrompidas por que estudantes foram se "manifestar" em frente ao prédio.
    Bloquearam a entrada principal, batendo nos vidros, gritando xingamentos e, sobretudo nos ameaçando.
    Não é difícil encontrar aí uma contradição na bandeira da Democracia e da Liberdade de Expressão...
    É esse tipo "liberdade" que se quer? Pra que eu, aluna da mesma Universidade que meus colegas manifestantes não possa também expressar minhas opiniões?
    Amanhã haverá um movimento de alunos que, assim como eu, apoiam a presença da PM.
    Me pergunto: os alunos contrários deixarão que nos manifestemos? Que expressemos nossas opiniões? Que possamos também nós participar da democracia?
    Falsos moralistas
    “(..) mas porque o ambiente escolar não é, por si, um caso de polícia (..)”
    Que lindo!
    Fui colega de sala de Felipe Ramos de Paiva. Sim, um aluno da Fea e um Uspiano como todos nós. Ele foi assassinado com um tiro na cabeça há 5 meses em um ambiente que “não é, por si, um caso de polícia”.

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  4. Todos nós, assim como a "AA", queremos SEGURANÇA e, sinceramente, a PM não é solução. Ela tá aí em todos os cantos, na periferia, na classe média, nas bolhas da classe alta e não tem adiantado. Qual o próximo passo? Muros de 10 metros e cerca elétrica em volta da USP?

    A solução passa por iluminação, ocupação do espaço público, treinamento mais humanizado da guarda universitária etc. A PM não tá preparada pra cuidar do cidadão de uma maneira geral, o problema não mora nas universidades.

    Discutamos nós todos juntos, não um contra o outro.

    Tenho claro que essas pessoas todas que vão se reunir a favor da PM são, na verdade, a favor da segurança e, por falta de alternativas e por uma visão deturpada de quem não convive de fato com a PM como "solução", acreditam nesse caminho como o mais fácil.

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  6. Leo, vc diz isso pois é homem, não sabe o que é ter de andar sozinha a noite sem segurança nenhuma. Estou na USP desde de 2002 e desde então me sinto aterrorizada todos os dias qdo ando pelo campus a noite. Com a patrulha da PM me sinto sim mais segura. A violência contra a mulher nunca é colocada em pauta, e somos nós quem mais sofremos...

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  7. Texto do Souto Maior = perfeito como sempre!

    Exato, Leo!! Ser contra repressão policial não é ser contra a segurança, muito menos a favor de assassinatos, roubos, estupros, traficantes e afins...defender os estudantes não significa, tampouco, ser favorável ao uso da maconha ou de entorpecentes em geral (mas esse é um debate que tem que ser feito, pois é hipocrisia demais...), seja no câmpus, seja fora dele.

    Chaves, também sou mulher, e estou lá desde 99. Diversos casos de estupro ali no câmpus, de fato. Acreditar que a situação com a PM ali é melhor é ilusória - a cidade inteira possui patrulhamento, e por isso é mais segura??? Antes deixar de caminhar pelo câmpus à noite, ou andar sempre acompanhada de pelo menos uma pessoa, do que confiar nesses truculentos.

    AA, muitas pessoas morreram antes do seu colega da FEA (inclusive um morreu na praça do relógio solar e não lhe foi prestado socorro!!), e não houve toda essa comoção. Por que será??? Aliás, se fosse aluno da FFLCH, com certeza teriam celebrado, dizendo "maconheiro bom é maconheiro morto!" ou "bem-feito, com certeza era prestação de contas com traficante!".

    E sobre as reações horrorizadas e puritanas sobre a maconha, só tenho uma coisa a dizer: bando de santinho-do-pau-oco!!!

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  8. "Ela(Segurança) tá aí em todos os cantos, na periferia, na classe média, nas bolhas da classe alta e não tem adiantado."

    Tem adiantado sim, eu sempre ouvia falar em casos de furtos e sequestro dentro da cidade universitária. Com a chegada do patrulhamento da PM no fim do semestre passado nunca mais ouvi falar nesses delitos. Por que nunca mais tomei conhecimento de tais atos, não quer dizer que eles deixaram de acontecer, mas já mostra uma grande evolução. Esses numeros divulgados no mês de julho só confirmam isso:

    http://www.midiaamais.com.br/melanie-phillips/6485-aumento-de-policiamento-revela-o-obvio-criminalidade-diminui-na-usp

    E independente dos números, tirar(ou diminuir muito) o medo de andar pelas ruas do campus já é um grande feito.

    Por essas e outras eu sou totalmente a favor da presença da PM na USP como medida emergencial por tempo indeterminado.

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  9. "andrecoelhomatos". É isso. Sem clientelismo na Universidade. Um espaço de produção de conhecimento e fomento à cultura e tecnologia deve ser palco de debates. É importante a discussão. Mas realmente incomoda o fato do Samuel ser estudante de Filosofia, negro, morador do CRUSP e não ter a atenção nem o alarde que temos agora.

    A elite paulistana está aparelhada com o senso comum e o Movimento Estudantil está desarticulado pela deslegitimidade diante da comunidade uspiana. Estamos fodidos?
    Não. Vamos conversar sem sectarismo e com inteligência. O papo vai além da PM.

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  10. andrecoelho, descordo de vc... porque sou mulher não tenho autonomia para andar sozinha?? Depender de companhia, carona etc para ter mais segurança??? Fico muito irritada toda vez que penso que por ser mulher não tenho as mesmas condições que os homens, isso tem que acabar!!! Se para vc a segurança que a PM traz é ilusória, para mim é real. Por isso continuo sendo a favor da permanência deles. Isso não significa que o debate quanto a postura deles deva parar, nem quanto a uma nova segurança... Por que não nos mobilizamos para criação de uma nova segurança na USP ao invês de pedirmos a retirada da PM do campus? Quando isso acontecer a presença deles não vai ser mais necessária...

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  11. A polícia tem obrigações a cumprir e se simplesmente deixasse os alunos fumando maconha, estaria agindo igual a qualquer corrompido que incentiva o crime. (estes sim são de dar medo)
    A reação policial começou sim pela violência por parte dos alunos, revoltados com a "prisão" (não foram presos, mas apenas levados e liberados, nada mais), ou seja, estes queriam que os policiais não cumprissem com sua obrigação, pois lhes era conveniente.
    A polícia não está na USP para atacar alunos, mas para coibir qualquer tipo de crime, seja este violento, seja simplesmente fumar maconha.
    Reforço que tudo começou sim com o gesto de levar os 3 alunos que consumiam maconha e o antepenúltimo paragrafo deste blog sugere um pensamento completamente desconexo, deixando claro o motivo do seu apoio.
    O único ponto de pensamento comum é o de saberem exercer a liberdade de expressão e de saberem conversar para chegar num acordo, mas não tenho esperanças de encontrar gente capaz de tal feito.
    Triste é, pensar em pessoas que se esforçaram tanto para conseguir ingressar em uma universidade de tão alto nível para depois se estragar dessa forma. "orgulhos da família"

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